Último Tipo, quatro artistas. Bela marca, sabor trocadilho, neon, cartaz… Nada disso, a ingenuidade parou noutra estação. O nome carrega uma reflexão sobre o universo reprodutibilidade, moda, máquina cultural vomitando “novas” para serem devoradas hoje, esquecidas amanhã. Até surgir outro “tipo” e mais outro e outro… O consumo não pode parar, prega a regra do dia.
Dois extremos do mercado de arte. Serial: reprodução ou até melhoria de determinada matriz. Matricial: original replicável apenas em cópias. Um repagina algo já construído. Outro levanta novos edifícios na cidadela da canção. Ambas têm méritos. Todo artista, no fundo, desfila nessa escala, ocupando aí pontos diferentes em momentos diversos. Alguns, aliás, foram industriais (Lado A) e artesanais (Lado B) no mesmo disco. Salve o vinil!
A canção popular brasileira de consumo, não podia ser de outro modo, tenciona seu arco criativo entre esses polos. Sinhô, década de 1920, forjou um samba urbano que, sucesso, foi seriado até por ele mesmo. Se tomo a musicalidade de Tom Jobim, ela se reproduziu em Carlos Lyra, Roberto Menescal e Chico Buarque, mas virou outras matrizes com Edu Lobo, Baden Powell e Jorge Ben.
Quem chega à obra do Último Tipo escuta cheiro de mil temperos. Cozinha de base cancional, despensa com Nelson Rodrigues e samba, Dalí e Milton, Quintana e Itamar, Mazzaropi e Schoöenberg, sustentabilidade e sarcasmo, naïf e cérebro. Um pomar estapafúrdio digerido coletivamente em vinte e cinco anos. Tempo demais para ser comercial, tempo de sobra para conquistar o duro posto de matriz, isto é, de Primeiro Tipo.
Último Tipo, quatro artistas nucleares, complexos, bomba pelo avesso. Como fosse hoje: “Como chamam?” Déo, Jara, Lóra e Velú. Fez-se a primeira redondilha. Nenhum deles uma coisa só. Especialidade é da canção maquinal, tudo ao mesmo tempo agora é pra poucos. Todos cantam e tocam o coração. Usina que encena, costura, dança, escreve, adapta, musica, gerencia, arranja, ilumina, pinta, fabrica a sinestesia geral. Se você gosta de cada arte na sua cadeira, melhor nem sentar nessa mesa.
Vivemos a era do registro multimídia. Nunca se capturou performances com tantos meios simultâneos. O problema é que o artista também fica preguiçoso. Fulano não toca com a mão. Sicrana só canta gravíssimo. Beltrano despeita figurino. Fulana acha que mixagem é maquiagem. E multimídia bem produzida salva total, todo mundo gostoso e updated.
Com Déo-Jara-Lóra-Velú a simultaneidade rola da fonte. Não se trata de catar bandinha de mpb-rock e amplificá-la em sites, roteiros e clipes. Ao contrário, aqui os shows crescem de alicerce composto. Letra brota com figurino. Acorde é montado com cenário. Diálogos preveem luz. Agudo colhe uma estrela. A multimídia, claro, salva a mediocridade à vontade, mas leva uma sova da criação incontida.
Ouvir CD (Último Tipo, 2002) ou assistir DVD (O Livro de Rebeca, 2009) dessa gente é algo de inusitado. Vozes querem rasgar o alto-falante, imagens fugir da tela. Se marcar, eles pulam pra sua sala. E se estiver no show – chance de saber do que falo – de repente você vai pro tablado. Último Tipo fronteiras movediças entre artes, públicos e criadores. A tecnologia holográfica vem aí, talvez reproduza um naco desse espetáculo na minha-casa-minha-vida, mas sem a vibração e suor de serem múltiplos e únicos no palco.
Por Pedro Marques
1 out. 2013