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pedras para poesia a mao
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__A matéria dos poemas de Assbook são os dois feios, o ridículo e o horroroso, que escorrem podres como um Pinheiros ou Guandu ou Beberibe ou Paraopeba ou Doce ou Chuí ou Tocantins das classes dominantes brasileiras. O decoro do título é duplamente adequado à burguesia rapinante. Assbook, livro do asno. Assbook, livro do cu. Verossimilhança do asno e do cu na justa equivalência de cu e de asno figurando a ralé dominante & a ralé dominada sempre a ralé. O que nasce das adequações poéticas a essa matéria sórdida é a obscenidade das ilimitadíssimas formas em que a substância espiritual de cuecas cintos meias bolsos Bíblias malas apartamentos helicópteros encontros noturnos e diurnos em porões de Palácios becos de bordeis sacos e gesticulações e Bíblias e constituições de puteiros e emendas e votações e mãozinhas de vice-presidentes e falas empostadas e declarações de senadores varões de Plutarco e de Ministros da Justiça da Lepra & Bíblia se expõem no trovar punk.
[João Adolfo Hansen, prefácio de Assbook, 2022.]

__O que pensar de um livro que reúne versos e desenhos cômico-sérios e que recobra, na epígrafe, uma série de verbos do Dicionário Analógico da Língua Portuguesa que remete a variações do gesto de apropriar-se de algo pertencente a outrem, como furto e rapina? De versos que emulam autores do século XV em diante para dizer o que não disseram a partir de predicados e recursos estilísticos que empregaram? De uma obra que integra a Coleção Caravela se principia parodiando carta que Pero Vaz de Caminha despachou para El-Rey D. Manuel I, O Venturoso, em 1500? Que incorpora, nesta missiva, versos que seriam consagrados setenta e dois anos depois, com a epopeia lusíada? E tudo para justapor ao tom cortesão e discreto da epístola elementos libertinos capazes de fazer corar o catolicíssimo e nobre destinatário? Como lidar com um sermão do padre Antônio Vieira que, com seu estalo divino e barroco, antevê com precisão tão cirúrgica quanto a máscara do duque de Caxias os efeitos do celular, do crediário e do Coach?
[Cleber Vinicius do Amaral Felipe. Resenha sobre Saques & Sacanagens, de Pedro Marques, ilustrado por Paulo Ito. Revista Cadernos Acadêmicos: conexões literárias, 2021.]

__É um livro que surge da prática de dar aulas de literatura sobre textos do período colonial brasileiro. Textos que têm uma linguagem muito particular, um princípio completamente diferente dos que a gente está acostumado, princípios muitas vezes retóricos. Fascinado pela rítmica e pela prosódia que os textos criavam, copiando pedações desse textos, (…) Pedro reconstruiu essas citações através de elementos da realidade contemporânea brasileira, procurando registrar e marcar o quanto algumas das coisas antigas sobrevivem nas novas.
[Fernando Morato. Sobre Saques & Sacanagens no canal Preso na Língua, 2021.]

__Bem sabemos: há muitos modos de (re)contar a história do Brasil. Mas, em todas elas, é fundamental lembrar que este país nasceu da invenção portuguesa: commodity land, terra do pau-brasil, onde ficam os brasis, os nascidos aquém (ou além-mar) em relação ao Reino, ao Império, ao Desgoverno. Saques & Sacanagens diz isso e muito além disso, pois é, essencialmente, paródia e síntese de eras. Trata-se de obra aguda de um professor de literatura(s) que convive com a música, domina o verso e sabe, como poucos, que contar histórias também é um modo de agradar o Papa, o Rei e o exército de súditos. Ao eleger a paródia como matriz, substância e estilo, Pedro Marques sugere que as raízes de outrora persistiram na canhestra corte brasileira e seguiram, ainda mais capengas, durante a Velha e a Nova Repúblicas. Digamos: um passeio mordaz entre o senhor de engenho e o barão do café; entre o colonizador e o neo-colonizador; entre o capitão-geral e o caudilho mitômano de nossos dias. Não bastassem as palavras, que tantos significados aduzem e concentram, ainda há o diálogo entre o verso e a ilustração de Paulo Ito, intérprete pela imagem. Será o riso antídoto? Sem dúvida. Suspeito fortemente: desde que este livro aparecer será incontornável obra de arte(s).
[Jean Pierre Chauvin, sobre Saques & Sacanagens, de Pedro Marques, ilustrado por Paulo Ito. Site Editacuja, 2021.]

__Os procedimentos da sátira tradicional, como a ridicularização de personagens e a comparação de coisas desiguais se complexificam. Multiplicam-se enunciações do agora punk-sátiro, como se denomina o poeta. Oferecem a esses textos atualidade e dinamismo, como se estivéssemos, por vezes, no fluxo de uma rede como o Twitter, mencionada na primeira parte do livro, com toda a violência do discurso político de nossos tempos. Aqui, em Encurralada, ainda mais violentos. É esse lugar que ajuda a compreender o truncamento proposital da linguagem em Pedro Marques, truncamento e jogo, não das frases em si, geralmente simples, mas da operação que pulveriza os discursos, desloca-os, colocando-os uns contra os outros.
[Pablo Simpson, sobre Encurralada. Revista Caliban, 2021.]

__Assim, capturado pelo engenho criativo do poeta, o leitor salta da percepção de referências soltas para uma compreensão amplificada, que esgarça as possibilidades de leitura até o absurdo, o surreal. Não fosse tão rico esse espectro que “Cena Absurdo” oferece, Pedro Marques vai ainda além, adicionando novas camadas de fruição para os textos, através dos “clusters sonoros”. Trata-se de interpretações simultâneas de alguns dos poemas ou de partes deles – a cargo de Juliana Amaral, Gustavo Bonin e Micael Antunes – entremeados por intervenções de ruídos e outros requintes, que estão disponíveis através do site www.cenaabsurdo.com.br ou através
de QRCodes espalhados pelo livro.
[Edmar Monteiro Filho, sobre Cena Absurdo. A Tribuna, 2017.]

__Cena Absurdo é um conjunto de poemas que retratam a realidade humana, em tom seco e cortante. Utilizando-se de fragmentos de cenas cotidianas, o poeta constrói textos que remetem a diferentes contextos da nossa cultura, desde o mais popular ao mais elitizado. Quando os leio, me sinto uma observadora do mundo que enxerga o trágico através de lentes que fundem o superficial e o perverso, elementos tão característicos do nosso tempo. Um diferencial da poesia de Pedro Marques é a simplicidade da linguagem que torna os textos apreensíveis à maioria dos leitores.
[Cida Sepúlveda, sobre Cena Absurdo. Carta Campinas, 2016.]

__Um aspecto que atravessa todos os poemas e que parece garantir uma certa unidade a eles é justamente a denúncia da hipocrisia, do contraditório, da incongruência, que se fazem revelar nas cenas mais corriqueiras: aí reside o desabrochar do absurdo que passa despercebido quando nele estamos inseridos. Esses elementos se fazem revelar nos poemas por uma estratégia narrativa que parece ser comum a eles, capaz de introduzir uma espécie de reviravolta por meio de um elemento que nos pega de surpresa e que aponta para um momento de inflexão, que provoca algo próximo do que seria a anagnorisis, o processo de reconhecimento do elemento (absurdo) que estava presente, mas que não era visto, a verdade encoberta.
[Luís Fernando Prado Telles, posfácio de Cena Absurdo, 2016.]

__Música estropiada de punks derrotados, gargarejo de galinhas caducas, mas música renitente. Senão não é lirismo: será propaganda de felicidade em quarenta prestações. Dezoito anos depois, o absurdo em cena: cacofonia de vozes que se entrechocam na página, que digladiam, se misturam, se queimam, sem redenção (sem rendição) possível. O circo da rua. Outro título possível? O circo em chamas do cotidiano estúpido que insiste em nos manter despertos. Que as crianças adormeçam. Que acordem os homens.
[Marco Catalão, quarta capa de Cena Absurdo, 2016.]

__São termos — fragmento, saturação — que poderíamos levar à poesia de Pedro Marques, autor de Clusters (Ateliê, 2010) , com seus poemas sobre multidões, labirintos e a menção a inúmeros personagens: de Nietzsche, Adoniran Barbosa até o cantor Latino, desierarquizando, como o faz Érico, esses lugares de nossa cultura, porém também problematizando esse mesmo gesto crítico, autoconsciente, do corte e da perda da unidade. Gesto crítico dirigido a um leitor perdido no labirinto no poema “Wille zur Wahrheit” — e que, noutro poema, intitulado “Internética”, se tornaria a própria busca melancólica do eu lírico.
[Pablo Simpson, sobre Clusters. A poesia e a crítica – ABRALIC, 2015.]

__Há blocos contendo séries de poemas designados por números, como assumindo sua vinculação. Outros trazem títulos ou subtítulos que ora os aproxima, ora os afasta do tema central. E há o caso de “Quebradeira”, poema isolado/expandido entre as séries múltiplas. As sugestões de leitura conjunta para os poemas de cada bloco criam um espaço de percepção novo. Mas, o que parece contido, liberta-se num processo de recriação constante; ampliam-se as falas individuais de cada poema, cada um sugerindo um encontro com os demais, dentro ou fora de cada bloco, num sem fim de ricas associações.
[Edmar Monteiro Filho, sobre Clusters. A Tribuna, 2015.]

__Clusters, lançado pela Ateliê, como o nome já anuncia, é uma espécie de ramalhete, de cacho capaz de abrigar todos os sotaques, todas as estéticas, algo vivo, coisa bem deste século de indefinições. Seus poemas (…) partem do lirismo e chegam à descrença plena, passando por momentos de pura piada. Em outras palavras, podemos falar em renovação vocabular, em reinvenção do verbo. Mas não se pode deixar de perceber as profundas e sólidas raízes modernistas que sustentam o livro como um todo. Este amplo equipamento de influências está a serviço de uma lírica cotidiana, que fala de tragédias e injustiças, dentro de uma atmosfera quase absurda.
[Maurício Melo Júnior, sobre Clusters. Leituras – TV Senado, 2012.]

__Em Clusters, há preciosidades, tais como “À espera real dos bárbaros” que, delicadamente, desvela ambientes de terror, desde os mesopotâmios, passando pelas guerras modernas e pelo capitalismo predatório – tudo em linguagem básica, sem pirotecnias. É como se o poeta pincelasse o que vê, acrescentando ao seu esboço uma falsa indiferença que o salva do melodrama.
[Cida Sepúlveda, sobre Clusters. Site Ateliê Editorial, 2013.]

__Eu me rendo a uma novidade que, confesso, não esperava que coubesse logo ali, de início, naqueles poucos versos, e isso me perturba agudamente, é estranho, percebo que reli o “mesmo” poema várias vezes, como se a releitura não me desse outros modos e as várias maneiras de senti-lo. De modo que, no fundo, penso já se encontrar concentrada ali tudo, ou muito já exposto de antemão numa composição feita para uma única leitura, e em verdade, isso é fazer um poema (digo, um único e imortal poema), isso é estilo em poesia, essência e plural, conjunto e isolação (…).
[Marcelo Beso, sobre Clusters. Site Ateliê Editorial, 2012.]

__Antes de reunir seus poemas neste primeiro livro, Pedro Marques já vinha de uma longa convivência com a poesia, não apenas como poeta, mas como editor – de revistas (Salamandra, Camaleoa e Lagartixa), sites, antologias -, como professor e pesquisador, tendo publicado, também pela Ateliê Editorial, Manuel Bandeira e a Música (2008). É essa convivência que se faz notar nas dez partes que compõem Clusters. A proximidade do estilo é com nossa tradição modernista, inclusive no modo de temperar o lirismo com a ironia é, por vezes, com uma espécie de humor comedido, de ar propositalmente ingênuo ou “inocente”.
[Annita Costa Malufe, sobre Clusters. Revista Cult, 2011.]

__As palavras se aglomeram, vêm durante a formulação do texto (linear ou não), numa situação específica, irrepetível. Um poema acontece em tais circunstâncias. Um poeta está imerso nesta criação fractal, amalgamando um vocabulário comum para expressar-se sobre um algo que vai ser compartilhado, mesmo quando pense que não escreve para ninguém… O poeta, como o cientista, qualquer criador, é um ser plural, um porta-voz que ousa expressar-se enquanto tal. Um poema é um acontecimento histórico.
[Antonio Miranda, sobre Clusters. Poesia dos Brasis, 2011.]

__Isso para dizer que é por dar voz a sensações, ideias e sentimentos, cuja natureza é ao mesmo tempo produzida e mal captada coletivamente, que esses poemas se livram de um suposto compromisso ideológico com o mundo. Aqui, o protesto contra o utilitarismo, a reação contra a coisificação da sociedade, não é um traço de gênero, revelador de algum empenho particular, mas uma solicitação constante da individualidade que, ao invés de rancorosa, vive, transforma e se alimenta dessa mesma coletividade. A meu ver, reside nessa tensão específica a força central desses poemas.
[Caio Gagliardi, posfácio de Clusters, 2010.]

__A interação do poeta com o mundo real, registrado notadamente na feição mais trivial, rasteira e cotidiana, e até chula, enfileira Pedro Marques na linhagem (ou no cardume?) de uma geração de poetas de um lirismo anti-lírico, amoldado ao humor e à ironia, à facécia e ao riso. O poeta brinca com os temas, usa imagens oníricas e insólitas num tom de zombaria, salta da expressão contundente ou lacônica para o verso desdobrado. Uma determinação lúdica lhe cadencia os passos de observador do mundo e da vida, que inala os odores dos instantes, e capta as suas cores e rumores, e ainda as emoções fugidias.
[Lêdo Ivo, prefácio de Clusters, 2010.]

__O certo é que senti que nos poemas havia dois registros entremeados: um, lírico; outro, irônico ou satírico. O resultado é um texto que se corrói a si mesmo e deixa um travo estranho na boca.
[Paulo Franchetti, sobre Em Cena com o Absurdo. Carta, 2005.]

__A conclusão é: insista, pois com certeza acabará encontrando o caminho certo, se é que já não o encontrou e eu não percebi, porque ando muito afastado dos atuais fazeres poéticos.
[Antonio Candido, sobre Em Cena com o Absurdo. Carta, 2000.]

__A força destes pequenos versos vem de um bom humor inteligente, de quem nos enxerga nas posições que chama o fazer graça do pisar torto na vida. O texto de Pedro Marques tem o frescor de quem acaba de olhar e ver. De quem faz isso sem pena, sem o determinismo unilateral e com a eutrapélica virtude de saber sorrir ao cair de bunda no asfalto.
[José Carlos de Almeida Filho, prefácio de Em Cena com o Absurdo, 1998.]

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