Sá Pedro (1977-), que se chama Rodrigão, cujo nome é Chocolate, Negrão, aliás Rodrigo Sá Pedro, lança agora seu primeiro registro fonográfico, o EP Outro (2019), muito bem acompanhado de uma Banda Líquida, ousada, rarefeita: Filipe Maliska, Arthur Boscato, Vinicius De Lisieux Lole e Júlio Miotto. São cinco composições, apenas um tira gosto do enorme cancioneiro inédito deste compositor, verdadeira mina de pedras várias, de ritmos todos, de uma poética na desordem do humano. Produtores e interpretes têm aí um manancial único de canção brasileira. É uma vida de criação, porque para Rodrigo tocar um instrumento, abraçar um amor ou ler um livro sempre foi elaborá-los como percepção inventiva. Ele nunca distinguiu o conhecer do criar. Fosse nossa educação realmente libertária, ele teria desfiado provas, cálculos, relatórios e artigos em canções.
Conheci esse rapaz com voz de mangava, de fato, no ensino médio, quando ele já era compositor e eu nos rabiscos punk-líricos no final do caderno. Foi o Rodrigo que começou a divisar ali um ritmo, uma pronúncia poética, entre o verso métrico e o livre. Eu não seria poeta de melodia e papel sem que ele, ainda antes da faculdade de Psicologia, me bagunçasse o caminho. Como letrista, surgi quase como uma canção do Rodrigo. São dessa época, meio dos anos de 1990, as letras com que participo deste EP: “Continuação”, “Tempo Bom “e “Líquido Rarefeito”. As duas primeiras aconteceram como sempre, fiz o texto e ele chegou cantando. A terceira, escrevemos juntos sobre o pedal mântrico do seu violão. O metal de “Dona Urtiga” e a nuvem de “Desejo” são só do Rodrigo, esta já do século XXI, aquela também do XX.
Fazer canção é uma arte cheia de mumunhas, que muito esperto subestima. Pouca coisa pulsa forte no coração tupiniquim como uma canção. Muito coletiva na invenção e muito pessoal na recepção, é um feito conseguir desfilar uma poética autoral nessa avenida. Mas Rodrigo sempre esteve à vontade aí, sempre seguiu a estrela de Milton Nascimento, Itamar Assumpção, Tom Zé, Cartola, Beto Luccas e Jorge Ben Jor. Enquanto quebradeira, a composição de Rodrigo revela o punho africano, a liberdade doída. Sua harmonia e seu ritmo gostam de entortar a linha plana, mas desenhando algum afago. Sua poesia, chova riso ou choro, escolhe o mitológico ao consciente narcotizante. Respeitável público, Sá Pedro, que me carrega até no nome, não veio para engabelar, chegou para a mágica dos sentidos que brotam com barulho. E isso é só o começo…
Por Pedro Marques
17 jun. 2019