Meu coração é um morteiro

                                                      Um que se perdeu dos oitenta

Meu coração é a Mina que gesta a morte no ventre da terra
mãos que viviam de carinho engatilhado
um silêncio defunto

Meu coração é a Ogiva Atômica que prepara a dor na queda
a lã embranquecida agora tinta de aurora
olhar vidrado em conserva

Meu coração é um Morteiro que vomita fúria sem miséria
minha Nossa Senhora Aparecida no chão
deitada antes da hora

Arrenego essa Pietá às avessas, esse tiroteio de likes

                                                      Outro que escapou dos oitenta

Meu coração é a Rajada de vento nas redes da cabeleira
dois peixes encaracolados no lençol
inflado da sede oceânica

Meu coração é o Lança Chamas ciumento de tanta espera
a cabeça um incêndio de floresta
uma deriva infinita

Meu coração é uma Bomba de Napalm no temporal de pipoco
um amor com milhas de versos por viver
desatraca e já naufraga

Era uma vez a beleza no asfalto, gastando o salto alto

                                                      Mais outro que se evadiu dos oitenta

Meu coração é o Tanque de garapa correndo pelos poros
a menina desembarca na estação da vida
algodão doce do futuro

Meu coração é a Granada de Mão no lobo fardado e mal pago
o medo delira no colo materno a carabina
mamadeira de Beretta

Meu coração é um Agente Laranja no tiro ao alvo preto
hecatombe com classe e sem vergonha
arrastão de anjinhos no céu

Meu Deus, até você pediu pra sair do Brasil?

                                                      E mais outro ainda que…

 

(80 Balas, 80 Poemas, Claudio Daniel (Org.), 2020. On-line: https://www.revistazunai.org/80-balas-80-poemas)

Por Pedro Marques
29 jun. 2020