93º Poema da Semana | 30dez2013

Pinel

O quarto escuro
a camisa pendurada na cadeira
a maleta escancarada
os livros espalhados sobre a mesa
as meias dentro dos sapatos
ruídos de ventilador soprando
revelam que o médico dormiu.
Lá embaixo
os loucos agitados vão cantando
cantigas de roda.
A janela de vidro é imensa
e traz os astros para a cama.
Breve entrará a luz da alvorada
para despertar o médico.
O sol coloca o quarto em ordem
obriga-o a vestir-se e a trabalhar:
o sol faz o médico tratar os loucos.
A saúde dos loucos vem do sol
e das canções pueris.
A chuva é a velhice pingando tristeza
a chuva é a juventude das plantas
aguadas no pátio do hospício.
O café no refeitório
leva os doentinhos a pedir cigarro.
Vestidos de brim cinza
eles se afastam como autômatos
fumegando a fumacinha.
É hora de andar sem rumo
de tomar sol e exibir as vantagens da doença.
Como são mansos e ingênuos os doidinhos.
Um deles me fila um cigarro, outro também.
Deixai vir a mim as criancinhas.

*Fernando Fortes_1936-_De Olho na Morte_2012