345º Poema da Semana | 24jun2024

dormindo sujo

falta-me
a sabedoria noturna dos gatos
enxergando no escuro
destinos enterrados sob as patas

não importa se os de rua
à mercê de aprendizados ferozes
na ponta das botas dos homens
ou estes aqui de casa
zelando meu sono temporão
(meu exército de bigodes benignos)

falta-me
a leveza felina antes da sétima vida
arrasto-me na única
(pobre homem que não se soube múltiplo)
sobre um chão menor que o deles
sob um céu que nem me quer
tão contrário ao deles
(paraíso de gatos não tem dogmas)

desperdicei meu caminho
sem estratégias de caça
tomando banho por subterfúgios
(o maior sinal do primitivo engano
de ter nascido homem)
e ainda assim dormindo sujo

falta-me a rua
para pôr quatro pés na desgraça
(os dois que me limitam
e outro par que eram asas)

todo gato
é mais divino que a faca
onde extirpo à toa
(porque ressuscitam de manhã
enquanto eles dormem)
meus pecados

não importa se os de rua
ou estes (aqui de casa)
que me perdoam toda noite

*Rogério Bernardes_1976-_Manual de desinstruções_2022