328º Poema da Semana | 26fev2024

Tocaia

Quando o trovão rugiu sobre a várzea anunciando chuva grossa, os moleques fugiram enfiando nos becos, entrando nas tocas. Só o Doce que não, puxado pelo treinador. Nunca soubemos o que aconteceu no vestiário. O time perdeu o goleador, que não pisava mais no campo, nem jogava na rua. Nervoso e arredio, ele vivia de beiço estufado, emagreceu de dar pena. E se a gente chegasse perto, faltava avançar que nem gato acuado! A mãe levou pra benzer, suspeitava feitiço. O pai, ventre protuberante como um xaxá do Benim, era severíssimo, não tinha paciência pra choramingo de moleque, e deu de moer o filho no braço. Que tomasse jeito de homem!, bradou enquanto a mão espalmada pesava no lombo magro. Nessa época, o Doce virou Tocaia, brigador e valentão. (…)

*Leonardo Costaneto_1988-_Nêga d’Angola_2022