286º Poema da Semana | 25out2021

Torto arado – 15

(…) O último inverno tinha sido de muita chuva e ventos fortes, que haviam causado avarias na casa em que morava sozinho com minha mãe depois da partida dos filhos. O barro havia cedido, deixando à mostra o trançado de madeira que sustentava a parede da frente. Era como um corpo corroído que nos permitia ver os ossos. Que nos permitia ver a intimidade de uma casa, porque buracos e frestas já não cobriam seu interior. E o interior de uma casa era tudo que tínhamos. Guardava segredos que nunca seriam revelados. Guardava segredos que eram parte do que todos nós éramos naquelas paragens. Ele não dizia as razões da pressa para construir, mas todos nós intuímos: que o corpo de nosso pai declinava como as paredes da casa que se desfazia. Que talvez aqueles fossem os últimos meses que teríamos ao seu lado. (…)

*Itamar Viera Junior_1979-_Torto arado_2018