156º Poema da Semana | 05jan2016

Rio das Ostras 

E ela nem se mexia,
jamais se danava.
Na cama, estendida,
trânsida, esperava.
Os olhos abertos,
os dentes travava.
Na brancura da pele
a frieza eslava.
Nada de carícias,
ternuras, palavras.
Era objetiva,
pura matemática.
A ciência de quem
sabe toda prática.
No ângulo certo
as pernas dobrava.
E nem se mexia
e nem te apressava.
Apolínea e linda
quase uma ginasta.

Depilada inteira,
até no mais dentro.
Exibia serena
o fora e o centro.
A casca da fruta,
polpa e segmentos,
gomos e pistilos,
cheiros e fermentos.
E era de se ver
com que maestria
os lábios fechava
e a boca abria.

Tinha um controle
fantástico e preciso
das bordas, do meio,
das curvas, do friso.
Nada mais no corpo
bulia ou pulsava
concentrada inteira
na fenda molhada.
Até nessas águas
controle exercia;
ora encharcando,
ora umedecendo
o que lhe apetecia.

Mas era no ato
que ela mastigava,
te soltava um pouco
e logo te tragava.
Te encharcava todo
e logo te secava.
Te fazia o gosto
mas não te liberava.
Te mantinha preso
te escravizava.
Te submetia
(quase te humilhava)
e se mais quisesse
mais te iluminava.

Depois decidia
que estava na hora.
E, lenta e macia,
perfumava a fauna
coloria a flora.
E você sentia,
o universo inverso,
matinal aurora,
a noite explodindo
por dentro, por fora.
O deslumbramento
de quem conheceu
o avesso do espaço,
o espasmo da hora.

Se ela sentia?
Se ela gostava?
Se te seduzia?
Se te namorava?
Se te comovia,
se ria, chorava?
Só sei que nas quintas,
alguém batia à porta.
Abria, ela entrava,
aceitava o chá,
(recusava a torta,)
depois se lavava
no frio chuveiro.
Depois se deitava
(sem o travesseiro)
e nem se mexia,
jamais se danava,
na cama, estendida,
trânsida, esperava.

*Reynaldo Jardim_1926-2011_Cantares prazeres_1986