Ano novo, amor velho
I
O ano novo injetou no calendário
nova dose de veneno.
Nos convulsionamos todos
violentamente.
O amor foi atirado
na janela do vizinho:
Fruta podre quebrando
a vidraça do teu peito.
Tentaste juntar os cacos
mas o resultado
feriu tuas mãos vazias.
Então erguemos os olhos e vimos:
multidões de mãos feridas
te acenavam como num sonho…
II
O ano novo entrou chorando
ou nós é que bebemos
e não vimos que era chuva
o que parecia choro?
O amor foi prolongado
como um segredo
dito no ouvido de um homem do povo?
O amor foi quebrado
e é a base de tiros
que o amor sangra.
III
O ano novo entrou correndo
assustado pelos becos.
Entrou com fome.
E as ondas do mar, no mar
cheiravam a sangue.
A esperança que ele trouxe
em pouco tempo fedia
a escárnio e peixe podre
– por isso anda escondida
nos necrotérios domésticos
das geladeiras e freezers.
Mas o ódio não é capaz
de apontar lugar seguro.
Plantaremos girassóis
pra espantar esse céu cinza.
(Ano Novo, Amor Velho.
Se olhar não tem mistério:
A dor é parte da luta.)
*Maria Nilda de Carvalho Mota (Dinha)_1978-_De passagem mas não a passeio_2008