304º Poema da Semana | 30mai2022

Primeiro amor (Rita Passada)

Rita não nasceu na cidade.
Rita nasceu em São Francisco,
lugar de Maria Maya,
irmã de meu avô.

Rita, cantiga, negra,
bem negra,
como as noites de lá.
De manhã cedo
tomava banho
com água cheirosa
(preparada de véspera)
cheirando a folha-de-panema.
Nem bem o sol saía
eu tirava o leite das cabras,
montava meu cavalo queimado
com Rita na garupa,
corríamos toda a planície verde
pra ir buscar o sol preguiçoso
que surgia por trás do lago.

Na cama,
forrada de folhas
secas e escuras,
eu contemplava
aquele negror tão forte
num corpo de negra-princesa.
Amávamos
com o sol ainda tímido
partilhando do nosso idílio.

Hoje estou na cidade
Rita é mãe
de filhos que não são meus.
Logo vai vir dezembro:
não tenho mais cavalo,
não tenho mais a Rita.

Vou pra São Francisco
a pé e descalço.

*Estevão Maya-Maya_1943-2021-_Cantiga pra gente de casa, chegada em cima da hora_1981