143º Poema da Semana | 26mai2015

Antiviagem

Toda viagem é inútil,
medito à beira do poço vedado.

Para que abandonar seu albergue,
largar sua carapaça de cágado
e ser impelido corredeira rio abaixo?
Para que essa suspensão do leito
da vida corriqueira, se logo depois
o balão desinfla velozmente e tudo
soa ainda pior que antes pois entra
agora em comparação e desdoiro?

Nenhum habeas corpus
é reconhecido no Tribunal do Júri do Cosmos.
O ir e vir livremente
não consta de nenhum Bill of Rights cósmico.
Ao contrário, a espada de Dâmocles
para sempre paira sobre a esfera do mapa-múndi.
O Atlas é um compasso de ferro
demarcando longitudes e latitudes.

Quem viaja arrisca
uma taxa elevada de lassitudes.
Meu aconchego é o perto,
o conhecido e reconhecido,
o que é despido de espanto
pois está sempre em minha volta,
o que prescinde de consulta
ao arquivo cartográfico.
O familiar é uma camada viscosa,
protetiva e morna
que envolve minha vida
como um para-choque.

Nunca mais praias nem ilhas inacessíveis,
não me atraem mais
os jardins dos bancos de corais.

Medito à beira da cacimba estanque
logo eu que me supunha amante
ardoroso e fiel
do distante
e cria no provérbio de Blake que diz:

EXPECT POISON FROM THE STANDING WATER.

Ou seja:

AGUARDE VENENO DA ÁGUA PARADA.

ÁGUA ESTAGNADA SECRETA VENENO.

*Waly Salomão_1943-2003_Algaravias: câmara de ecos_1996