Uma novena de saques (2013-2019)

(…)

Ao Néscio que Desgoverna

Félix Xavier (16??-17??), Oração acadêmica em que se discute esta questão curiosa: qual foi o mais ilustre descobrimento do Brasil: o primeiro, em que nele se introduziram as armas Portuguesas, ou o segundo, em que nele se descobriram os tesouros das Academias? (1724)

Feliz Império em que se desvelaram os Soberanos com as Letras

Por incompetência tua se perde hoje a mais nobre parte do Brasil,
onde se gastam muitas horas do dia e da noite
com o louvável exercício das Academias,
com o acender das luzes da Sabedoria
que, aqui, salva uma alma indigente e, ali, um corpo enfermo

Enquanto Alexandre tinha a Ilíada por travesseiro,
dormia seguro o Reino da Macedônia,
semelhante garantia não pode prometer ao Brasil
o néscio que o desgoverna:
entre um estrondo militar e uma desmedida política,
desbarata a Ciência e a Poesia

O ócio do Conhecimento já é um bom negócio, alerta São Bernardo

Não há padrão mais seguro, para espalhar a fama, que a História,
que numa só língua sabe publicar
o sucesso das Armas, desde que prudentes,
e o feito das Letras, desde que discretas

Brincar de tiro ao alvo não granjeia novas terras nem patentes,
dedos que correm digitar antes de pensar, tampouco

Pois deixa de ser otário, de falar de cu
e vai descobrir o grau de tua lorpice,
que merece estudo ou bala,
que carece de um empalamento
com lápis de Itu

Quilombullyng

Sebastião da Rocha Pita (1660-1738), “Livro VIII”, História da América Portuguesa (1730)

E estimando mais a liberdade entre as feras
que a sujeição entre os homens,
elegiam por seu príncipe
um dos varões mais justos e alentados: Zumbi

E tinham esta superioridade eletiva,
que durava por toda a vida,
os negros, mulatos e mestiços que procediam reto
no valor e na experiência

E não se conta que se matassem
pela ambição do domínio e do trono,
correndo todos ao eleito com obediência e união,
que é por onde se sustenta um império

E tinham magistrados de justiça e milícia por suas terras,
o homicídio, o adultério e o roubo
eram delitos castigados
com a pena capital

E concediam viver em liberdade ao escravo
que por vontade colava no Quilombo,
seguia cativo e podia ser vendido
o mano tomado à força

E o volume e as ordenações de seus estatutos e leis
eram suas memórias e tradições,
seus cantos em orações e raps de pai para filho,
conservando no temor a aparente justiça

E não podiam remediar os governadores de Pernambuco
a calamidade com a opressão dos Palmares,
– o preto aqui não tem dó é cem por cento veneno –
que requeria descomunal empresa

Até que pagaram seis mil bandeirantes da ROTA e do BOPE
contra dez mil moradores,
composto o exército com pompa,
crucifixo, bomba e cobertura da TV,
o assédio perfurou o corpo inteiro da cidade

Mas Zumbi subiu às nuvens com os mais esforçados guerreiros
a fabricar, com trovões, o destemor a sua gente,
que não amava a vida na escravidão
e não a perdeu aos nossos golpes

(…)

(Revista de Estudos de Cultura, 12/2018. On-line: https://seer.ufs.br/index.php/revec/article/view/12283/9271 )

Por Pedro Marques
05 out. 2019