Indianismo pornográfico, Bernardo Guimarães

O Elixir(1) do Pajé

Que tens, caralho, que pesar te oprime
Que assim te vejo murcho e cabisbaixo
Sumido entre essa basta(2) pentelheira,
Mole, caindo pela perna abaixo?

Nessa postura merencória(3) e triste,
Para trás tanto vergas o focinho,
Que eu cuido vais beijar, lá no traseiro,
____Teu sórdido(4) vizinho!

Que é feito desses tempos gloriosos
Em que erguias as guelras(5) inflamadas,
Na barriga me dando, de contínuo,
____Tremendas cabeçadas?

Qual hidra(6) furiosa, o colo(7) alçando,
Co’a sanguinosa crista(8) açoita os mares,
____E sustos derramando
____Por terras e por mares,
Aqui, e além atira mortais botes,
Dando co’a cauda horríveis piparotes(9) ,
____Assim tu, ó caralho,
Erguendo o teu vermelho cabeçalho,
____Faminto e arquejante(10),
Dando em vão rabanadas pelo espaço,
____Pedias um cabaço!

Um cabaço! Que era este o único esforço,
Única empresa digna de teus brios;
Porque surradas conas e punhetas
____São ilusões, são petas(11),
Só dignas de caralhos doentios.

Quem extinguiu-te assim o entusiasmo?
Quem sepultou-te nesse vil(12) marasmo?
____Acaso pra teu tormento,
Indefluxou-te(13) algum esquentamento(14)?
Ou em pívias(15) estéreis te cansaste,
Ficando reduzido a inútil traste?
Porventura do tempo a destra(16) irada
Quebrou-te as forças, envergou-te o colo,
E assim deixou-te pálido e pendente,
____Olhando para o solo,
Bem como inútil lâmpada apagada
Entre duas colunas pendurada?

Caralho sem tesão é fruta chocha,
____Sem gosto nem cheirume,
Linguiça com bolor, banana podre,
____É lampião sem lume
____Teta que não dá leite,
Balão sem gás, candeia sem azeite.

____Porém não é tempo ainda
____De esmorecer,
____Pois que teu mal inda pode
____Alívio ter.
Sus(17), ó caralho meu, não desanimes,
Que ainda novos combates e vitórias
____E mil brilhantes glórias
A ti reserva o fornicante(18) Marte(19),
Que tudo vencer pode co’engenho e arte.

Eis um santo elixir miraculoso,
Que vem de longes terras,
Transpondo montes, serras,
E a mim chegou por modo misterioso.

Um pajé(20) sem tesão, um nigromante(21)
____Das matas de Goiás,
____Sentindo-se incapaz
De bem cumprir a lei do matrimônio,
____Foi ter com o demônio,
____A lhe pedir conselho
Para dar-lhe vigor ao aparelho(22),
____Que já de encarquilhado(23),
____De velho e de cansado,
Quase se lhe sumia entre o pentelho.
À meia-noite, à luz da lua nova,
Co’os manitós(24) falando em uma cova,
____Compôs esta triaga(25)
De plantas cabalísticas(26) colhidas,
Por suas próprias mãos às escondidas.

Esse velho pajé de pica mole,
____Com uma gota desse feitiço,
Sentiu de novo renascer os brios
____De seu velho chouriço!

____E ao som das inúbias(27),
____Ao som do boré(28),
____Na taba ou na brenha(29),
____Deitado ou de pé,
____No macho ou na fêmea
____De noite ou de dia,
____Fodendo se via
____O velho pajé!

Se acaso ecoando(30)
Na mata sombria,
Medonho se ouvia
O som do boré,
Dizendo: – “Guerreiros,
Ó vinde ligeiros,
Que à guerra vos chama
Feroz aimoré(31)”,
– Assim respondia
O velho pajé,
Brandindo(32) o caralho,
Batendo co’o pé:
– “Mas neste trabalho,
Dizei, minha gente,
Quem é mais valente,
Mais forte quem é?
Quem vibra o marzapo(33)
Com mais valentia?
Quem conas(34) enfia
Com tanta destreza?
Quem fura cabaços
Com mais gentileza?”

E ao som das inúbias,
Ao som do boré,
Na taba ou na brenha,
Deitado ou de pé,
No macho ou na fêmea,
fodia o pajé.

Se a inúbia soando
Por vales e outeiros(35),
À dança sagrada
Chamava os guerreiros,
De noite ou de dia,
Ninguém jamais via
O velho pajé,
Que sempre fodia
Na taba na brenha,
No macho ou na fêmea,
Deitando ou de pé,
E o duro marzapo,
Que sempre fodia,
Qual rijo tacape
A nada cedia!
Vassoura terrível
Dos cus indianos(36),
Por anos e anos
Fodendo passou,
Levando de rojo(37)
Donzelas e putas,
No seio das grutas
Fodendo acabou!
E com sua morte
Milhares de gretas(38)
Fazendo punhetas
Saudosas deixou…

Feliz caralho meu, exulta, exulta(39)!
Tu que aos conos40 fizeste guerra viva,
E nas guerras de amor criaste calos,
____Eleva a fronte altiva;
Em triunfo sacode hoje os badalos41;
Alimpa esse bolor, lava essa cara,
____Que a Deusa(42) dos amores,
Já pródiga(43) em favores
Hoje novos triunfos te prepara,
____Graças ao santo elixir
____Que herdei do pajé bandalho(44),
____Vai hoje ficar em pé
____O meu cansado caralho!

Vinde, ó putas e donzelas,
Vinde abrir as vossas pernas
Ao meu tremendo marzapo,
Que a todas, feias ou belas,
Com caralhadas eternas
Porei as cricas(45) em trapo…
Graças ao santo elixir
Que herdei do pajé bandalho,
Vai hoje ficar em pé
O meu cansado caralho!

Sus, caralho! Este elixir
Ao combate hoje te chama
E de novo ardor te inflama
Para as campanhas do amor!
Não mais ficarás à-toa,
Nesta indolência tamanha,
Criando teias de aranha,
Cobrindo-te de bolor…

Este elixir milagroso,
O maior mimo na terra,
Em uma só gota encerra
Quinze dias de tesão…
Do macróbio(46) centenário
Ao esquecido marzapo,
Que já mole como um trapo,
Nas pernas balança em vão,
Dá tal força e valentia
Que só com uma estocada
Põe a porta escancarada
Do mais rebelde cabaço,
E pode em cento(47) de fêmeas
Foder de fio a pavio,
Sem nunca sentir cansaço…

Eu te adoro, água divina,
Santo elixir da tesão,
Eu te dou meu coração,
Eu te entrego a minha porra(48)!
Faze que ela, sempre tesa(49),
E em tesão sempre crescendo,
Sem cessar viva fodendo,
Até que fodendo morra!

Sim, faze que este caralho,
Por tua santa influência,
A todos vença em potência,
E, com gloriosos abonos(50),
Seja logo proclamado,
Vencedor de cem mil conos…
E seja em todas as rodas,
D’hoje em diante respeitado
Como herói de cem mil fodas,
Por seus heróicos trabalhos,
Eleito – rei dos caralhos!

 

Comentário e glossário

1. Preparo com poder de encantar ou operar milagre. Poema em versos polimétricos. Principais metros empregados: decassílabos, hexassílabos, redondilhas menores e maiores. Poema de Bernardo Guimarães (1825-1884) publicado em 1875.
2. Vasta, densa.
3. Melancólica.
4. Repugnante, indigno.
5. Brânquias, estrutura vascular do órgão respiratório dos peixes. Aqui empregada com sentido de ereção.
6. Na mitologia greco-romana, serpente com nove ou sete cabeças destruída por Hércules.
7. Pescoço.
8. Cabeça.
9. Cascudo, croque.
10. Ofegante.
11. Enganos.
12. Indigno, medíocre.
13. Endefluxar-se: contrair defluxo, ficar constipado. Ideia de resfriado e com corrimento.
14. O “esquentamento” refere-se à gonorreia.
15. Masturbações.
16. Mão direita.
17. Eia! Coragem!
18. Luxurioso, com grande apetite para o sexo.
19. Entre gregos e romanos, o deus da guerra. O poeta o convoca, primeiramente, porque o ato sexual é visto como uma batalha; segundo, porque Marte teve relações vigorosas e extraconjugais com Vênus, a deusa do amor.
20. Entre algumas tribos indígenas, pessoa que detém poderes mágicos, ritualísticos, oraculares.
21. Necromante, indivíduo capaz de predizer o futuro invocando os mortos.
22. Pênis.
23. Murcho, enrugado.
24. Divindades indígenas.
25. Elixir, medicamento, remédio.
26. Misteriosas, secretas.
27. Trombeta de guerra indígena.
28. Trombeta com som grave e rouco.
29. Mata.
30. Nesta parte, principalmente pelo ritmo ágil e percussivo, fica ainda mais clara a sátira ao “I-Juca-Pirama”, de Gonçalves Dias.
31. Grupo indígena.
32. Erguendo, agitando.
33. Pênis.
34. Vagina.
35. Morros.
36. Indígenas.
37. Levando de rojo: arrastando, levando de vencida.
38. Vagina.
39. Pula de alegria!
40. Vaginas.
41. Testículos.
42. Vênus.
43. Esbanjadora, fértil.
44. Devasso.
45. Vaginas ou vulvas.
46. Velho.
47. Centenas.
48. À época, apenas com sentido de pênis.
49. Dura.
50. Recomendações, louvores.

(De Antologia da Poesia Romântica Brasileira. São Paulo: Lazuli Editora/Companhia Editora Nacional, 2007.)

Por Pedro Marques
03 nov. 2014