Hoje Tem Feira

Antologia da Noite em Claro - Bruno Ribeiro

Em negócio de poesia, a interpretação que se assuma. Imparcialidade aqui é para quem gosta de esconde-esconde, e eu prefiro o pega-pra-capar.

Bruno Ribeiro despensa o paga-pau, quem quiser que atenda ao chamado de Antologia da Noite em Claro e vá bater perna pela feira-livre que é sua poesia. Na superfície, Bruno coleciona flashs cotidianos, críticas sociais sob a pele do lirismo, confissões de caminhante urbano e alfinetadas à anestesia geral. Eis as entradas gratuitas para sua feira, o que seria por si só já um belo trajeto para o leitor.

Mas estamos diante de uma poesia insatisfeita com fachadas, esse cenário de papel no qual esbarram a maioria dos aspirantes. A feira-livre de Bruno tem a profundidade que ele chorou em Manuel Bandeira, a vida que pulula em João Antonio e a densidade ouvida em Paulo César Pinheiro. Os temas são enfileirados na avenida poética, banca por banca o poeta foi montando a feira desde a madrugada. Um trabalho demorado, construído à martelada, pregões, riso, cores, cheiros, cachaça matutina, troco errado e pastéis. Sua escrita vem de menino, uma prática que não começa ontem nem brota daquela vontadinha cult tipo “quero ser escritor”.

Os poemas a seguir não almejam a vanguarda, não querem reinventar roda, tampouco arrotar que são o último naco da porção. Bruno Ribeiro não é um poeta ruptor, isto é, seus versos estão plantados numa tradição de escritura brasileira. Alimentada, por exemplo, pelos três autores supracitados, tal tradição secular vem engrossando o caldo com paciência e simplicidade, sempre desconfiada de presepadas e da última novidade dos malas que chegam do estrangeiro. E quando ela está pronta, basta uma colherada, uma página, um verso, uma melodia para o cidadão vazar pelos olhos. Leia-se “A Mulher Fatal”. Mesmo ao falar em Beatles ou Django Reinhardt, Bruno Ribeiro é dos nossos. É até curioso notar como o letrista convicto de samba mostra segurança para se emocionar com a música em língua inglesa.

Seu palco principal é Campinas, por onde faz trafegar os mais variados temas, tanto íntimos quanto nacionais. Nisso há alguma audácia porque, para muita gente, urbanidade só nas capitais, natureza apenas no sertão. Não. Bruno abraça do passarinho ao mendigo na cidade do Guarani. Sua feira-livre está armada na Francisco Glicério, ali tem Rio de Janeiro, pivetada, Recife e D. Quixote.

Às vezes a gente sente uma preocupação excessiva em ler aquele romancista africano entrevistado na TV, ou o último poeta francês. Nessas horas, receito os decassílabos, recriados, de Gregório de Matos: “não sabem conhecer sua cozinha / e podem conhecer o mundo inteiro”. Leiamos o poeta ao lado, leiamos Bruno Ribeiro!

(Prefácio a Antologia da Noite em Claro [2009], Bruno Ribeiro.)

Por Pedro Marques
31 jul. 2010