Haicaibaré: ou O Pierrô Lunático


[Em função da pandemia, um venerando e desconhecido poeta, morador de Bastos-SP, ficou preso no aeroporto de Guarulhos, à espera de um voo para a terra ancestral, que não acontecia. Foram vários dias em um hotel de trânsito, sem ter o que fazer. Forçado a assistir aos noticiários torturantes, escreveu, para se distrair, uma série de haicais, no verso de cardápios e instruções de segurança. Tendo que sair apressadamente para tomar o voo que finalmente fora liberado, deixou os poemas para trás. Numa dessas mais felizes coincidências, os poemas foram achados por um estudioso da história da música, que desenvolvia uma pesquisa sobre o teatro musicado francês e alemão. Ele se hospedou no mesmo quarto, à espera de um voo… na mesma pandemia… Aí já viu… surgiu uma parceria inusitada. Quem recolheu as partituras foi um outro hóspede do mesmo quarto: um policial militar que estava indo para Brasília, onde teria uma audiência no Ministério da Saúde. Achou que aquilo poderia valer algum dinheiro.]

 

1.
A folha que vai
simula o Bozo de mula
que manca e que cai.
12. jul. 2021

2.
Milícia da fé
é a peste que hoje se veste
de flor do café.
13. jul. 2021

3.
Uma arminha eu vi
no dedo de um branco azedo
virando zumbi.
14. jul. 2021

4.
O vírus do mal
de otário vem do berçário,
orelha fatal.
15. jul. 2021

5.
O diabo do voto
impresso só faz sucesso
com asno devoto.
16. jul. 2021

6.
Disse bem o Otto:
“Só besta é quem vai à festa
do tonto de moto”.
17. jul. 2021

7.
Meu verso tem olhos
castanhos cheios de lanhos
moendo ferrolhos.
18. jul. 2021


[Enquanto isso na CPI…]


8.
O samba do Ernesto
repete a mesma manchete:
“Eu nego e não presto!”
19. jul. 2021

9.
Que pena, Mandetta,
são duas as falhas tuas:
ir e vir da teta.
20. jul. 2021

10.
Wajngarten sorria,
tão novo e cheirando a mofo,
néscio pandemia.
21. jul. 2021

11.
Vem Kátia e levanta
e Leila pega na veia
medalhando o anta.
22. jul. 2021

12.
Cagando e andando,
a égua masca sem trégua,
Zambelli divando.
23. jul. 2021

13.
Com luzes na crina,
comédia fingindo médica,
Lady Cloroquina!
24. jul. 2021

14.
O Bozo milagreiro,
demente que é presidente,
faz santo o Calheiros.
25. jul. 2021

15.
A calma é pra poucos,
Omar comandando o mar,
uma nau de loucos.
26. jul. 2021

16.
Girassol que abriu,
setembro depois dezembro,
da janela o anil.
27. jul. 2021


[Mas a nossa esperança é o deus Mercado, com a sua sapiência de prateleiras infinitas…]


16.
O Mercado faz
jumento de argumento
e um Guedes capaz.
28. jul. 2021

18.
Privado é teu cu!
Que estala pregando bala
pelo Belzebu!
29. jul. 2021

19.
Pastor e Banqueiro
são dois pra tocar os bois
ao deus do Dinheiro.
30. jul. 2021

20.
O mínimo Estado
já existe pra quem resiste
com zero ordenado.
31. jul. 2021

21.
O crédito guia
um sonho deste tamanho
nas Casas Bahia.
01. ago. 2021

22.
Chuva de alfinete,
família em plena vigília,
barriga sem leite.
02. ago. 2021

23.
Gela o coração
no inverno que faz o inferno
da rua sem pão.
03. ago. 2021


[Mas não vos desesperanceis! A coisa está só começando…]


24.
Ó cabeça burra
da gente que vai e defende
a Democradura.
04. ago. 2021

25.
Pra tempos nojentos,
de gente eleita a patente,
sou Nelson Sargento.
05. ago. 2021

 

[E você pode ler e ouvir tudo ao mesmo tempo nesse vídeo.]

 

Pedro Marques, haicais | Emilio Pagotto, música
Para Silvio Mansani