Fluxo-trator-de-imagens

O azul versus o cinza (2012), de Marco Aqueiva, é um esforço de cores com contracantos. Jatos que misturam e testam nosso risco de espectador. Ritmos em convulsão. Em vão procurar enredos, achar rios de sentidos que encherão mar nenhum.

Não há um quadro narrativo, no máximo motivos aqui e ali repetidos quando menos se espera, ao jeito dos fractais de Jackson Pollock. Paleta de duas cores em conflito: o azul (a esperança de entender) e o cinza (a constatação da aridez). O fundo do volume feito à pedra, base para texturas de pó, água, pele, osso, luz e mulher, que o poeta não é de aço. Poesia que abdica do narrar, que leva os olhos a perder a cabeça ciosa do que o “poema quis dizer”.

Herberto Helder ainda facilita a vida com seus blocos amorfos de versos. Marco dá a falsa pista da estrofe, que esquematiza som mas não organiza cenas. Poesia que você experimenta, adivinha, sem poder contar o sabor. Poesia não afeita à resenha, terreno bom para new critics. Claro, há conexões com o famigerado real, com a rediviva tradição: tudo isso asa de libélula estraçalhada pelo fluxo-trator-de-imagens.

(Orelha a O azul versus o cinza [2012], Marco Aqueiva.)

Por Pedro Marques
23 out. 2012