5º poema da semana | 14mar2012

Galo Galo

O galo
no salão quieto.

Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.

De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,

Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio:
— que faço entre coisas?
— de que me defendo?

Anda.

No saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.

Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura?

Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora ?
Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório?

Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa.

Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.

Vê-se: o canto é inútil.

O galo permanece — apesar
de todo o seu porte marcial —
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave guerreira!

Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,

não seria tão rouco

e sangrento

Grito, fruto obscuro

e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.

*Ferreira Gullar, 1930-_A Luta Corporal_1954