267º Poema da Semana | 19abr2021

O golpe e os golpeados: a crise da palavra

(…) Sheila da Silva desceu o morro do Querosene para comprar três batatas, uma cenoura e pão. Ouviu tiros. Não parou. Apenas seguiu, porque tiros não lhe são estranhos. Sheila da Silva começava a escalar o morro quando os vizinhos a avisaram que uma bala perdida tinha encontrado a cabeça do seu filho e, assim, se tornado uma bala achada. Ela subiu a escadaria correndo, o peito arfando, o ar em falta. Na porta da casa, o corpo do filho coberto por um lençol. Ela ergueu o lençol. Viu o sangue. A mãe mergulhou os dedos e pintou o rosto com o sangue do filho. O gesto da pietá negra da favela marcou o momento em que a crise da palavra se tornou explícita no Brasil. (…)

*Eliane Brum_1966-_Brasil construtor de ruínas_2019