142º Poema da Semana | 19mai2015

A namorada do piá

Tem certas coisas na vida
que não se podem prever,
uns dizem que é o destino
que faz tudo acontecer,
e eu achei um desatino,
decerto pura ironia,
e se não fosse, o que seria
que me fez por merecer?

É que outro dia meu piá
se achegou meio impaciente,
e vendo sua impaciência
perguntei o que é que havia,
e ele até me parecia
querer fugir meio urgente,
por fim disse: “É uma guria!”
Deveras fiquei contente.
Porque nos dias de agora,
nunca se sabe se a espora
é de verdade ou se mente.

E eu disse: “Piá, como tô faceiro”.
E ele respondeu: “Pai, tem um problema.”
E eu: “Que que é isso companheiro?…”
E ele disse: ”É coisa pequena.”
E não me dava explicação,
e eu com esta minha razão
que viaja mais que o presidente,
pensei: será que lhe faltam dentes?

Ou será dessas gaúchas,
que em noite de Lua cheia,
se deformam, despenteiam
e um grande nariz repuxa,
e antes que alguém socorra,
se pendura numa vassoura
e voa no céu feito bruxa?

E o piá não me dava voz,
e assim meio de lado,
parecia envergonhado,
e a conversa entre nós
mais e mais se complicava,
e quanto mais me impacientava
mais a mente era veloz.
E o piá coçando a barbicha
e o assunto que se espicha,
perguntei mais que assustado:
“Ô, guri desaforado,
tu não está falando… de uma bicha?”

E o guri ficou furioso,
ficou muito mais nervoso
que um bagual sendo castrado,
e eu mais que aliviado
no meu brio zeloso,
disse: “Então fala vivente,
se o problema não são os dentes,
Lua cheia ou machidão,
o que pode ser então?”

E o guri arrodeado
mais que boi no engenho,
agora com todo empenho
falou meio gaguejando.
Disse: “Pai, por favor, resista…
a moça é muito bela,
parece uma Cinderela,
o problema… é que é GREMISTA!

E eu caí na sua goela:
“Tu vais ver Cinderela
seu piá traidor”,
e me deu aqui uma dor,
pior que dor de derrota,
que quase que bato as botas
e fui pesquisar o doutor,
e o doutor me deu a receita,
disse: “Vai pra casa, te aquieta, te ajeita…”
E pra encurtar a conversa,
vejam só esta reversa:
botei cara de defunto
pra conhecer a guria,
mas foi logo ao primeiro dia
que com o piá, me apaixonei junto.

*Vilmar Campanher Rodrigues_1960-_A senda: crônica poética_2009