103º Poema da Semana | 11mar2014

 

o oficial de justiça veste um paletó azul e camisa
tem óculos de bom aluno e fala
com dois PMs que lhe contam como a rua é foda
o oficial de justiça garante o cumprimento da
reintegração de posse
um caminhão pequeno, que a CET permite estar no
centro essa hora,
leva as coisas das pessoas
o oficial de justiça, um concurso bom, vida feita,
a escola está difícil
ninguém respeita ninguém,
estuda que passa e a vida está feita, ganha por
diligência
e – se há justiça – é porque a justiça é errada e eu
só faço ela ser cumprida, diz,
sendo ela certa ou errada
um garoto de bicicleta entrega água numa
repartição
há o céu depois da morte, haverá de ter alguma
coisa,
esses desgraçados merecem algo a mais, diz, e eu
sou cristão
mas vejam bem, os soldados romanos não tinham
que cumprir
suas ordens?
vai saber se tem um Jesus futuro aí dentro e somos
os soldados de Herodes, diz,
eles vestiam paletó azul e uma camisa leve por
baixo,
e traziam as ordens de reintegração em pastas que
ganharam da esposa no natal
esse ano talvez a gente viaje ao invés de dar
presente, é fácil enquanto não tem filho, diz,
e haverá uma paraíso do outro lado,
até nos ônibus leitos as pessoas querem conforto
mas tem a propriedade e ela é um roubo
os prédios são reintegrados ao tempo
o tempo desgasta, rasga, inutiliza, o tempo apressa
o roubo,
as crianças vão pra rua, os pais sofrem, o espólio do
dono se contenta,
a justiça faz sua parte
essa justiça, desafinada, é tão humana e tão errada
o oficial de justiça escuta Legião também
qual é a diferença?

*Cássio Corrêa_1982-_Síndrome do Desfiladeiro_2013